A obsolescência programada foi criada, na década de 1920, pelo então presidente da General Motors, Alfred Sloan. Propositadamente um produto é desenvolvido, e fabricado para consumo de forma que se torne obsoleto em curto espaço de tempo, induzindo o consumidor a substitui-lo. Na tecnologia, empresas como Apple e Microsoft são comumente lembradas por adotarem essa estratégia de negócio em seus produtos e sistemas operacionais.
Lembro que pela legislação, na época em que trabalhava na área de eletroeletrônica, a indústria teve a redução do período em que era obrigada a manter componentes para produtos de 12 para 9 anos, e isso já havia me chocado àquele tempo; eram idos dos anos 80. Hoje se preconiza uma vida útil de 2 anos…
Além disso, uma frenética expansão de descartáveis: fraldas, pratos, copos, canudos…. Junk food com lembrancinhas que quebram logo…. Descartáveis…
De acordo com um novo estudo da Universidade de Kansas, publicado na revista Personal Relationships, a mentalidade de que os objetos são descartáveis se estende aos laços sociais.
“Nós encontramos uma correlação entre a maneira como você olha para objetos e percebe seus relacionamentos”, disse o autor Omri Gillath, professor associado de psicologia.
Ele disse que seu estudo atual aponta para uma sociedade móvel caracterizada pela disponibilidade, que tende a promover superficialidade sobre relações humanas mais profundas.
“Estamos sugerindo que esse é um fenômeno amplo em que todos tendemos a olhar para relacionamentos com colegas de trabalho, amigos e membros da rede social como substituíveis.
Ele disse que tais atitudes afetam a qualidade geral da vida das pessoas e de nossa sociedade. “Pesquisas sugerem que apenas laços mais profundos de alta qualidade nos fornecem o tipo de apoio que precisamos, como amor, compreensão e respeito”, disse Gillath. “Você precisa desses vínculos muito estreitos para se sentir seguro e funcionar adequadamente. Se os laços sociais forem considerados descartáveis, você terá menos chances de obter o que precisa de sua rede, o que pode afetar negativamente sua saúde mental e física, bem como sua longevidade. ”
Muitas gerações já nasceram com esta pratica em voga. Como se esta pratica fosse o contexto “natural”. Significa dizer, como expresso por Jung, tais fenômenos já foram a esta altura incorporados pelo inconsciente coletivo; e sua manifestação pode ser identificada em diversos âmbitos.
Hoje condutas e relacionamentos manifestam-se dentro dessa premissa de transitoriedade e volatilidade. Vivemos num ambiente que não reconhece a interdependência e interação; hoje a premissa institucionalizada é de que o novo é que é bom e é preciso estar na frente, tendo o que de mais “inovador” exista; A forma como se lida hoje com relacionamentos e dificuldades mostra este quadro de deterioração onde nada se consolida.
Este estilo de vida, não inclui conversa amena e exclui a presença só para ficar junto, dificulta ou, mesmo, impede o compartilhar de valores e interesses por parte dos membros de uma família focada nos mais jovens. Vida líquida, como diz Zygmunt Bauman, sociólogo polonês.
Instalou-se e aprofundou-se nos pais, nem tão velhos assim, o sentimento de abandono. Um número grande de filhos não mais é bem-vindo, pais idosos não são bem tolerados e tudo isso custa muito caro, financeira, material e psicologicamente falando. Mas não só esse âmbito de pais órfãos se instaurou esse comportamento. As crianças estariam sendo criadas pela TV, pelos produtores de uma tecnologia que os fascina por um lado, mas os incapacita, por outro, para muitas funções da vida cotidiana, uma vez que enfraquecem a vontade, eliminam a força de fantasia e o poder da imaginação criativa, amortecendo certas capacidades de aprendizado e discernimento, bem como suas habilidades para a comunicação humana real.
Verifica-se o alto índice de faltas a compromissos agendados (pessoais ou profissionais); rompimento intempestivo de relacionamentos, entre outros, demonstrando a frágil importância desses fatos na vida. Montou-se, coletivamente, uma enorme e terrível armadilha existencial, como se ninguém mais precisasse de ninguém
Hoje quase ninguém está disposto a sofrer por algo que não deu certo. Esse sofrimento nos ajuda a crescer, a não cometer os mesmos erros. Esse descarte de valores, antes importantes, ocorre; pois, as condições têm apresentado mudanças em tempo inferior ao necessário para se consolidarem hábitos, rotinas e costumes. Não há tempo para o aprendizado. Muito menos para consertar, corrigir.
O descarte é a tônica. O “tente outro” é um conselho muito ouvido em finais de relacionamento. Ou mal se termina um relacionamento, já se inicia o flerte com outra pessoa, como se fosse de alguma forma amenizar a dor do rompimento. Totalmente em consonância com a mentalidade da obsolescência.
Lembro de uma meme que circulou há pouco, onde há uma foto de um casal comemorando bodas de ouro e perguntam: qual o segredo de estarem juntos há tanto tempo e felizes? Ao que o casal responde: Ah… em nosso tempo quando algo quebrava, tínhamos de consertar….
Hoje, a única coisa sólida e perene é o lixo, que se amplia, acumula e permanece como um dos maiores problemas do planeta. Me refiro aqui não só ao lixo material, mas ao lixo espiritual e psicológico decorrentes deste comportamento onde tudo se torna obsoleto muito rápido. O relacionamento é rápido e efêmero e descarta a profundidade, desenvolvimento, comprometimento e conhecimento mútuo.
Segundo Jung, em seu livro: Ab-reação, analise dos sonhos e transferência: “ O ser humano que não se liga a outro, não tem totalidade, pois esta só é alcançada pela alma, e esta, por sua vez, não pode existir sem o outro lado que sempre se encontra no “tu”. A totalidade consiste em uma combinação do eu e do tu, ambos se manifestando como partes de uma unidade transcendente”… (454). E segue em aspectos do drama contemporâneo: “O outro de nós mesmos é sempre algo estranho e difícil de ser suportado. Mas se nos dispusermos a suporta-lo, conquistaremos um degrau a mais no autoconhecimento”. (918). Mas a que tempo?
E quem se dispõe a sair de seu egocentrismo, tão propalado como valor maior?
E Jung em outro trecho afirma: “O caos e a desordem do mundo refletem-se de modo análogo na mente do indivíduo, mas essa falta de orientação é compensada no inconsciente pelos arquétipos da ordem …, todavia o homem mediano encontra-se na mesma situação em que se encontrava quando a primeira guerra terminou. Ficou bastante claro que a grande maioria é incapaz de integrar as forças da ordem. Ao contrário, parece até provável que essas forças assaltem a consciência de maneira inadvertida e se lancem violentamente contra a nossa vontade”.
Apesar deste panorama, em seu livro, Presente e futuro, aponta uma possibilidade de integração: “Como ser social, o homem não pode ficar desligado da sociedade por muito tempo. Por isso o indivíduo só pode encontrar o seu direito de existência e sua autonomia, tanto moral quanto espiritual, num princípio extra Mundo, capaz de relativizar a influência extremamente dominadora dos fatores externos.
Para concretizar esta resistência, ele precisa da evidencia transcendente de sua experiência interior, pois esta constitui a única possibilidade de se proteger da massificação. Sua evidência transcendente é povoada por representações míticas que, com seu simbolismo característico, atingem as profundezas da alma humana, porque elas falam de uma linguagem que mobiliza e faz vibrar o íntimo do homem. Hoje, na sociedade de consumo, na sociedade de descarte, relacionamentos ricos, profundos e duradouros e a exploração de seu próprio mundo interno com todas as idiossincrasias, são tesouros a serem resgatados.
Referências:
- JUNG, CG. Civilização em Transição. Petrópolis, Rj ; Vozes. 2013
- JUNG, CG. Os Arquétipos e o Inconsciente coletivo. Petrópolis, RJ; Vozes 2013
- JUNG, CG. Presente e Futuro, Petrópolis, Rj; Vozes 2013
- JUNG, CG. Aspectos do Drama Contemporâneo, Petrópolis, RJ; Vozes 2013
- JUNG, CG. Ab-reação, análise dos sonhos e transferência. Petrópolis, Rj; Vozes 2013
- BAUMAN, Z. Modernidade Liquida, Rio de Janeiro; Jorge Zahar Ed., 2001
- University of Kansas February 22, 2016 – Disposable relationships: Throwaway culture can include friendships, researcher says